Lesões Não Cariosas: Aspectos Clínicos, Etiológicos e Terapêuticos

lesões cervicais não cariosas

Lesões Não Cariosas: Aspectos Clínicos, Etiológicos e Terapêuticos

As lesões cervicais não cariosas (LCNCs) representam uma das condições mais prevalentes da odontologia contemporânea, caracterizando-se pela perda de estrutura dentária sem envolvimento bacteriano. Estas lesões têm etiologia multifatorial e podem ser classificadas em erosão, abrasão, atrição e abfração. O presente artigo tem como objetivo revisar os principais aspectos etiológicos, clínicos e terapêuticos das LCNCs, correlacionando-os à prática clínica e às abordagens mais recentes de manejo conservador e preventivo. A compreensão desses fatores é fundamental para o diagnóstico diferencial e para o sucesso do tratamento restaurador e preventivo a longo prazo. Palavras-chave: lesões cervicais não cariosas, erosão dentária, abfração, atrição, abrasão, hipersensibilidade dentinária.

A odontologia moderna tem testemunhado um aumento expressivo na incidência de lesões cervicais não cariosas (LCNCs), especialmente em pacientes adultos e idosos. Embora a cárie dentária continue sendo a doença bucal mais prevalente, as LCNCs são hoje consideradas a patologia mais incidente relacionada à perda de estrutura dentária.

Tais lesões resultam de processos químicos, mecânicos ou oclusais, sem a participação direta de microrganismos. Seu reconhecimento clínico é essencial, visto que sua etiologia multifatorial exige uma abordagem terapêutica abrangente, envolvendo aspectos preventivos, restauradores e até médicos, quando há associação com distúrbios gastrointestinais ou fatores sistêmicos.

As LCNCs comprometem não apenas a estética e a função mastigatória, mas também podem provocar hipersensibilidade dentinária e, em casos avançados, necrose pulpar, sendo um desafio constante na prática clínica e nas provas de concursos odontológicos.

 

Conceito e Classificação

As LCNCs são definidas como perdas de estrutura dental em regiões cervicais ou oclusais, sem envolvimento bacteriano. A classificação clássica agrupa-as em quatro tipos principais:

  1. Erosão – processo químico, extrínseco ou intrínseco, sem participação bacteriana;
  2. Abrasão – desgaste mecânico por ação de agentes externos;
  3. Abfração – perda de estrutura decorrente de flexão dentária por sobrecarga oclusal;
  4. Atrição – desgaste fisiológico ou patológico por atrito dente a dente.

Esses processos frequentemente coexistem, o que dificulta a identificação de um único fator etiológico. O diagnóstico diferencial exige, portanto, uma anamnese detalhada e exame clínico minucioso, avaliando hábitos, dieta, medicamentos e características oclusais do paciente.

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Erosão Dentária

A erosão consiste na perda de tecido dentário por ação de ácidos não bacterianos, podendo ter origem extrínseca (alimentos, bebidas, medicamentos) ou intrínseca (refluxo gastroesofágico, bulimia, regurgitação).

 

Fatores extrínsecos

Os principais agentes extrínsecos incluem bebidas esportivas, refrigerantes, sucos cítricos, vinho e alimentos ultraprocessados. O consumo frequente e em intervalos curtos reduz o efeito tampão da saliva, levando à desmineralização contínua do esmalte e da dentina.

 

Fatores intrínsecos

Doenças gastrointestinais como o refluxo gastroesofágico (DRGE) e distúrbios alimentares como a bulimia elevam a acidez bucal, causando desgaste acentuado, especialmente nas faces palatinas dos dentes superiores.

 

Manifestações clínicas

Clinicamente, a erosão apresenta-se como uma superfície lisa e brilhante, com perda gradual de esmalte. Em estágios avançados, há exposição dentinária e hipersensibilidade.

 

Conduta

O tratamento baseia-se na eliminação do fator etiológico, com encaminhamento médico em casos de refluxo e modificação dietética para reduzir alimentos ácidos. A restauração só é indicada quando há perda estrutural maior que 1 mm. O uso de vernizes fluoretados e cremes dentais dessensibilizantes pode auxiliar no controle sintomático.

 

Abrasão Dentária

A abrasão é a perda de estrutura dentária por ação mecânica repetitiva de agentes externos, sem envolvimento bacteriano. O fator mais comum é a escovação dental inadequada, especialmente com escovas de cerdas duras e dentifrícios altamente abrasivos.

 

Etiologia

Além da escovação, outros agentes incluem o uso de palitos, escovas interdentais grandes, hábitos parafuncionais (como segurar objetos entre os dentes) e uso de drogas inaladas (ex.: cachimbo).

 

Aspectos clínicos

As lesões apresentam-se em formato rente e polido, geralmente na região cervical vestibular, podendo estar associadas a recessão gengival e hipersensibilidade.

 

Fatores agravantes

A abrasão pode ser agravada por ambiente bucal ácido (proveniente de erosão), pois o esmalte previamente desmineralizado torna-se mais suscetível ao desgaste mecânico.

 

Conduta

A orientação ao paciente é fundamental: indicar escovas macias, movimentos leves e dentifrícios com baixo índice de abrasividade (RDA). Quando há lesões extensas, indica-se restauração estética com resina composta, respeitando o contorno cervical e evitando sobrecontornos que predisponham à inflamação gengival.

 

Abfração

A abfração é caracterizada pela perda de estrutura dental na região cervical, causada por flexão do dente durante a função oclusal. A sobrecarga mecânica provoca microfraturas nos prismas de esmalte e subsequente desgaste da dentina.

 

Etiologia e fisiopatologia

A origem está em contatos prematuros, maloclusões e forças excêntricas aplicadas ao longo do tempo. Essas tensões geram microdeflexões na junção amelo-cementária, resultando em lesões de formato triangular ou em cunha — características da abfração.

 

Aspectos clínicos

As lesões de abfração são profundas, com margens bem definidas, e frequentemente associadas à presença de bruxismo ou ausência de dentes antagonistas.

 

Conduta

O tratamento envolve ajuste oclusal, uso de placas interoclusais para controle de forças e, em casos indicados, intervenção ortodôntica para redistribuição de cargas. As restaurações devem utilizar resinas de alta resistência e boa adesão, sendo o isolamento adequado fundamental para o sucesso clínico.

 

Atrição

A atrição é o desgaste resultante do contato direto entre dentes antagonistas durante a mastigação ou em função parafuncional (como o bruxismo). Pode ser fisiológica, quando compatível com a idade, ou patológica, quando há desgaste excessivo.

 

Fatores associados

O bruxismo noturno, o apertamento diurno e o uso de estimulantes (como anfetaminas ou metilfenidato) aumentam significativamente o risco.

 

Consequências clínicas

A atrição leva à redução da dimensão vertical de oclusão, à exposição dentinária e à aparência de envelhecimento precoce facial, fenômeno denominado Síndrome do Envelhecimento Precoce Bucal (STOP).

 

Conduta

O manejo requer controle do hábito parafuncional, uso de placas miorrelaxantes e, em casos de perda acentuada, reabilitação protética para restabelecimento da dimensão vertical.

 

Hipersensibilidade Dentinária

A hipersensibilidade dentinária é o sintoma mais frequente nas LCNCs, decorrente da exposição dos túbulos dentinários e movimento de fluidos no interior destes, conforme a teoria hidrodinâmica de Brännström.

O tratamento inclui medidas como:

  • Aplicação de vernizes fluoretados;
  • Uso de agentes obliteradores (ex.: nitrato de potássio, arginina, fosfato de cálcio amorfo);
  • Terapia neural por dessensibilizantes específicos;
  • Em casos de recessão gengival acentuada, cirurgias de recobrimento radicular podem ser indicadas.

O uso contínuo de cremes dentais dessensibilizantes deve ser transitório, servindo como medida paliativa enquanto se elimina o agente causal.

 

Diagnóstico Diferencial e Avaliação Clínica

O diagnóstico das LCNCs é essencialmente clínico e deve considerar:

  • Localização e forma da lesão;
  • Hábitos de higiene e dieta;
  • Uso de medicamentos que reduzem o fluxo salivar;
  • Condições oclusais e ortodônticas.

As lesões de erosão têm aparência lisa e brilhante;
as de abrasão, planas e polidas;
as de abfração, triangulares e bem delimitadas;
e as de atrição, com desgaste em superfícies oclusais e incisais.

Em provas de concursos, a identificação do fator etiológico e o formato clínico são frequentemente cobrados como critérios diagnósticos.

 

Tratamento e Prevenção

O princípio terapêutico central é remover ou controlar o agente etiológico. O tratamento restaurador é indicado apenas quando há perda estrutural significativa ou comprometimento estético-funcional.

Estratégias preventivas

  • Orientação sobre dieta e redução de alimentos ácidos;
  • Escovação com técnica suave e escova de cerdas macias;
  • Uso de dentifrícios de baixo RDA;
  • Controle do bruxismo e correção oclusal;
  • Acompanhamento médico para refluxo ou distúrbios gástricos.

 

Tratamento restaurador

Restaurações com resina composta são preferíveis devido à estética e adesividade. O isolamento relativo com fio retrator gengival é eficaz para controle de umidade cervical. O acabamento e polimento são indispensáveis para evitar retenção de biofilme e inflamação gengival.

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Exemplos de questões que caem nas provas de Concursos de Odontologia

 

(FEPESE -Chapeco-SC/2022) As lesões não cariosas são um desgaste de tecido dentário não relacionado à cárie.

Analise as afirmativas abaixo em relação ao assunto.

 1. A erosão é um tipo de lesão não cariosa que se caracteriza como um desgaste crónico e químico provocado por ácidos de origem bacteriana

2. A abrasão é um tipo de lesão não cariosa que se caracteriza pelo desgaste mecânico da estrutura dental que ocorre por causa do contato repetido de um corpo estranho na superfície dental, como por exemplo, escovação inadequada, usa abusivo de palito ou de escova interdental, e do consumo de drogas

3. A abfração é um tipo de lesão não cariosa em que se observa perda de estrutura dental decorrente da flexão da coroa durante a função oclusal, geralmente associada a esforço excessivo em virtude de interferências oclusais, problemas ortodônticos, ausências dentárias ou parafunções.

4. As lesões por abrasão/ ABFRAÇÃO apresentam-se em forma de cunha ou “V”, com contornos bem delimitados e bordas afiadas.

Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas

 

(A)       São corretas apenas as afirmativas 1 e 2

(B)       São corretas apenas as afirmativas 1 e 4.

(C)       São corretas apenas as afirmativas 2 e 3

(D)       São corretas apenas as afirmativas 2 e 4.

(E)       São corretas apenas as afirmativas 3 e 4

Gabarito: C

 

Resposta correta: São corretas apenas as afirmativas 2 e 3

 

FCC – TRT-MT/2022) Atenção: Para responder as 02 próximas questões, considere as informações a seguir

Paciente com 49 anos de idade, sexo masculino, refere ter azia após tirar uma soneca depois do almoço”, além de arrotos frequentes e “gosto amargo na boca. A queixa principal consiste em “leve desconforto” ao escovar os dentes, em especial na região palatina anterior. O exame clínico mostre as superfícies palatinas dos dentes 11, 12, 13,21, 22 e 23 com o esmalte uniformemente mais delgado e aparência brilhante.

 

(FCC – TRT-MT/2022) O cirurgião-dentista deve

(A)       orientar o paciente a reduzir o consumo de frutas cítricas, café e alimentos fritos e restaurar os dentes 11, 12, 13, 21. 22 e 23 com resina composta, após o preparo cavitário com retenções macromecânicas.

(B)       prescrever Omeprazol 20 mg, Via oral, 1 comprimido de manhã, em jejum, visando reduzir a acidez gástrica e realizar aplicações semanais de flúor-fosfato acidulado a 1,23% para recuperação da lesão.

(C)       orientar o paciente a dormir com a cabeça elevada e instituir uma rotina da escovação com dentifricio contendo monofluorfosfato de sódio para remineralização das lesões.

(D)       encaminhar o paciente ao médico para travamento da condição gástrica. pois a redução da exposição dos dentes a agentes ácidos é o procedimento inicial do tratamento odontológico.

(E)       prescrever Diazepam, 5 mg, via oral, 1 comprimido após o jantar, para o controle da ansiedade do paciente, visando reduzir as queixas sistêmicas e suas repercussões na percepção de dor pelo paciente.

 

Gabarito: D

Resposta correta: encaminhar o paciente ao médico para travamento da condição gástrica. pois a redução da exposição dos dentes a agentes ácidos é o procedimento inicial do tratamento odontológico.

(FCC – TRT-MT/2022) O quadro clinico é compatível com o diagnóstico de erosão dental, que consisto em

 

(A)       defeitos de contorno da junção cemento-esmalte ocasionados por ácidos oriundos do refiro gastresofágico

(B)       defeitos na superfície mineralizada dos dentes decorrentes de contatos excêntricos na mastigação durante situações de estresse

(C)   perda gradual de estrutura dentai causada pela dissolução química por ácidos de origem gástrica ou oriundos da dieta.

(D)   desgaste patológico do tecido duro dentário decorrente do contato entre os dentes durante a mastigação de alimentos cítricos.

(E)   defeito na superfície do esmalte com redução localizada na sua espessura associado aos produtos.

Gabarito: C

Resposta correta: perda gradual de estrutura dentai causada pela dissolução química por ácidos de origem gástrica ou oriundos da dieta.

 

(FCC – TRT-PV2022) Paciente com 25 anos de idade, sexo masculino, refere utilizar escova dental com cerdas duras por serem “mais eficientes” na escovação. O exame clínico mostra desgaste com aspecto polido, em forma de chanfradura, na região cervical da face vestibular dos dentes 13 e 14. Observa-se também recessão gengival na região vestibular dos dentes 13 e 14. O quadro clínico é compatível com o diagnóstico de abrasão, que consiste em

(A)   perda gradual de estrutura dental causada por dissolução química pelos componentes abrasivos do dentifrício.

(B)   defeito envolvendo a superfície do esmalte e associado com a redução localizada na espessura do esmalte causada pela escovação dental.

(C)   desgaste patológico do tecido duro dentário decorrente do contato entre os dentes antagonistas que potencializam o risco de microfraturas.

(D)   perda gradual de estrutura dentária causada por hábitos não funcionais envolvendo contato com objetos que não sejam os dentes antagonistas.

(E)   defeito de contorno da junção cemento-esmalte resultante de forças oclusais excêntricas que levam à flexão dentária.

Gabarito: D

Resposta correta: perda gradual de estrutura dentária causada por hábitos não funcionais envolvendo contato com objetos que não sejam os dentes antagonistas.

 

(FCC – TRT-PV/2022) O cirurgião-dentista deve ter uma atitude acolhedora e buscar algumas informações para auxiliar na condução do tratamento do paciente, como:

 

  1. Força excessiva aplicada na escovação dos dentes.
  2. Sensação de “boca seca”.

III. Consumo frequente de laranjas.

  1. Alta frequência de ingestão de sacarose.

Está correto o que se afirma APENAS em

 

(A)   II e III.

(B)   III e IV.

(C)   II e IV.

(D)   I e IV

(E)   I e III.

 

Gabarito: D

 

Resposta correta: I e IV

 

(FCC – TRT-PI/2022) Uma possibilidade terapêutica para tratamento da hipersensibilidade dentinária consiste em

(A)       aplicação de pasta de hidróxido de cálcio.

(B)       cirurgia de retalho.

(C)       aplicação caseira de solução de fluoreto de sódio.

(D)       restauração dos dentes com resina composta.

(E)       cirurgia de enxerto gengival.

Gabarito: C

Resposta correta: aplicação caseira de solução de fluoreto de sódio.

 

Considerações Finais

As lesões cervicais não cariosas representam um desafio clínico e diagnóstico devido à sua natureza multifatorial. O sucesso terapêutico depende da identificação precisa dos fatores etiológicos e da abordagem interdisciplinar, quando necessário.

A restauração isolada, sem o controle do agente causal, resulta em recidivas e falhas adesivas, perpetuando o ciclo destrutivo. Portanto, o foco deve estar na prevenção, modificação comportamental e controle químico e mecânico dos fatores de risco.

Em um contexto de envelhecimento populacional e aumento de hábitos alimentares ácidos e parafuncionais, o reconhecimento e manejo adequado das LCNCs tornam-se indispensáveis para a preservação da saúde bucal e da longevidade funcional dos dentes.

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Escrito por Darcio Kitakawa. Mestre em Biopatologia Bucal pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003) e Doutorado em Biopatologia Bucal pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2006). Fundador da CD Concursos e Autor do Livro 10.000 Questões para Concursos de Odontologia.

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